Este artigo propõe-se a analisar a trajetória do escritor austríaco Fritz Kalmar e seu conto "Der Austrospinner" ("O austro-louco"), incluído na antologia "Das Herz europaschwer", de 1997, à luz das identidades surgidas no contexto da emancipação e da assimilação judaicas na Áustria. Georg von Winternitz, protagonista desta narrativa, encarna, em seu exílio boliviano, os fundamentos de uma identidade austríaca cultivada na velha Monarquia Habsburga, legatária do Sacro Império Romano Germânico, e organiza sua existência no novo país de acordo com valores éticos e com princípios católicos, humanistas e universalistas, cultivados, sobretudo, por literatos austríacos do fim do século XIX e do início do século XX, que se dedicaram à construção da identidade imperial austríaca. Esse sistema de valores, particularmente caro aos judeus austríacos da época do Kaiser Franz Josef, revela uma surpreendente sobrevida nos Andes bolivianos depois de 1938. Ao adotar um menino indígena que está em vias de tornar-se um ladrão, esse personagem não só pretende educá-lo como, sobretudo, pretende fazer dele "um austríaco", o que significa, para o personagem, nele instilar um sistema de valores vinculado à extinta Áustria imperial. A discussão sobre esse conceito, "o austríaco", presente na literatura austríaca do século XIX e do início do século XX, é trazida à tona para tentar compreender o que se encontra por trás deste projeto. Para além dessa questão surge, ao longo da narrativa, uma alusão ao fato de que tanto o narrador quanto o protagonista da narrativa são descendentes de judeus que também "se tornaram" austríacos. "Tornar-se austríaco", assim, e com isto o conceito de 'gelernter Österreicher', temas inextricavelmente ligados ao processo de emancipação e assimilação judaica na Áustria do século XIX, são questões que ressurgem, de forma distópica e anacrônica, na Bolívia dos anos 1950, na trajetória de Kalmar tanto quanto na de seu personagem. This article analyzes Fritz Kalmar's biography and his short story "Der Austrospinner" in the light of the identities created during the decades of Jewish emancipation in Austria. In his Bolivian exile, Georg von Winternitz, the narrative's protagonist, embodies the fundamental values of an Austrian identity that was conceived during the final years of the Habsburg Monarchy, heir of the Holy Roman Empire, and that was particularly dear to Austrian Jews since the times of Kaiser Franz Josef. After his exile, von Winternitz organizes his existence in the new country according to this Empire's system of values. When he adopts an indigenous boy who is about to become a thief, he not only intends to educate him but also intends to turn him into "an Austrian", which, for him, means instilling in him a system of values belonging to the defunct Austro-Hungarian Empire. The discussion about the meaning of "Austrian" is brought to light, in an attempt to understand von Winternitz's ideals and projects. Both the narrative's protagonist and the narrator descend from Jews who also "became" Austrian, and "becoming Austrian" is a fundamental concept both in Kalmar's personal history and in his books.
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